Num lugar perdido, numa certa fronteira, me deparo com uma placa identificando o estabelecimento comercial: "Loja dos Aviso". Como não entendi o que poderia ser, entrei no lugar e perguntei o motivo daquela placa, e alguém respondeu: "Se não tá escrito direitinho, o povo não entendi". Encantada com o ambiente, misto de antiquário e depósito, repleto de penumbra e poeira, caminhei por entre a mercadoria e li a centena de placas que explicavam a comercialização ou troca do que estava exposto. A placa que mais me chamou a atenção e que me rendeu bons papos foi: "Eu nuco vedi peneo rubado".
E mais adiante uma outra: "Fale com o Tuco". Tomada de curiosidade, fui procurá-lo. Tuco, simpático e bem falante, vende alfinete sem ponta, troca relógio por carrinho de mão, dá o "trabicero" na compra do "coxão", o "mão dicuri" para quem faz o "pé dicuri", guarda mala dos "viandantes", brinda o cliente com "suco flor de zíaco do guaraná", entre outras particularidades. Seu sobrenome é Silveira, apelido Tuco, e o nome não consegui descobrir. Popular no lugar, tornou-se o centro de comercialização e troca do que o freguês precisar, inclusive com "entrega a domecilio", com exceção de "peneo rubado", que ele jamais vendeu. Nas nossas conversas, cheias de interrogações, perguntei por que enfatizava a venda de pneu. Ele disse que, como vivia numa zona de fronteira, a fiscalização era grande, que o contrabando era incidente, e não queria seu negócio ligado a esta prática.
Nos nossos papos assisti a muitas vendas dos mais distintos produtos, vi compradores silenciosos que tomavam objetos, punham o dinheiro numa gaveta, e saíam da loja; outros entravam, pegavam, limpavam e diziam: depois te pago, e ninguém anotava nada em lugar nenhum. Raros foram os que pediram alguma mercadoria ou precisaram de auxílio para a escolha. Comprovante de venda, então, não existia. Impressionada com esta metodologia de comercialização dos bens, levantei a questão do comprovante da venda ou da nota fiscal. Aí o Tuco mordeu a língua, tossiu e disse: "olha dona sem sabê a precisa procedência das mercadoria, nem pensá em noti fiscar!" E aqui é a "loja dos aviso", ao entrar o primeiro aviso é: "Noti Nam".
A resposta veio acompanhada de uma voz cadenciada e de um olhar tão puro que me anestesiou. Sem palavras, olhei em volta, agradeci a conversa e saí acompanhada pelo registro fotográfico do lugar e da imagem simpática do Silveira, vulgo Tuco, que me tratou com tanta generosidade naquele dia me oferecendo café e bolacha feita em casa, as quais "num si vendi, porque num tem preço, se obesequia pros chegado". Fotos e anotações de viagens não são a versão exata do que acontece no mundo, as que faço são minha percepção, meu registro e servem para recordar o meu vivido. E você, caro leitor, também guarda relíquias de viagens?